quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Instantâneo




Há quem diga cisne
há quem diga borboleta
e há ainda quem aponte
a exuberância
prestes à implosão
e ávida por existir- ainda-
que há quem diga cinza
e há quem diga alma

Talvez eu conte da metáfora
que veste bem, e fascine
a carapuça delicada
do sujeito à gente errada
se aferir  privilégio maior
do que o engano
e a metamorfose  

Talvez desponte o fio
do escuro que seda
e eu não corra
só me enrole e durma
significando despertar
sem corpo mole ...amanhã.

Inconsistente
o meu papel medíocre
pede grafite macio
e adia tudo

Já perdi a hora e o prumo
em mensagens cifradas
sem demandar resposta
a minha melhor proposta
veio da última visagem
“escrever para a posteridade”

Mas ainda estudo.


sábado, 12 de fevereiro de 2011

Miguel é uma mensagem



Será fim de trégua
maroto Querubim
aviltares outra vez
o teu Trono na poesia
suscetível ao incêndio
É implícita a cortesia
na aquiescência
às Dominações do silêncio

Uma mulher talvez despreze
talvez estraçalhe à unha
mas a minha alcunha
é uma Potência
que não se acomoda
em definições de Virtude
ou vício

Meu verso é um Principado
cuja soberania te concedo
Se não tens amor
deixa-o vago e branco
resguardado na saudade
que não se sabe

Aceita o arranjo que me cala
o que me custa
mas a vida não é justa
nem tem bula ou atenuante
Só poupa-me à ira
que macula este semblante
e apaga a lembrança
de ser teu Anjo

Iriene Borges

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Mantra

Não adianta chacoalhar pelo pescoço
Idéia, resiliência, urdidura

domingo, 26 de dezembro de 2010

A última gota

sumo de sonho precípite

transborda das corolas do dia



e sorvo



antes que desabrochem

chama e desamparo

em caules dolentes



Me espreitam corvo e morcego

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

À inconsistência dos atritos

Calo

e dói mais do que a carne viva




Iriene Borges

domingo, 25 de julho de 2010

Enquanto espero!

Um não sei que de procela

soprou-me na boca do nada

e despenquei até fincar raízes

numa nesga de madrugada



Viajo nos reflexos da sarjeta

Musgo e violeta no assento detrás

Um bilhete e Silêncio no alforje

Trinam apenas estampas florais





Hortência no guichê número dois

sacou meu destino da impressora

Paredes e divisórias acinzentam

o viés lilás eleito para a aurora







Desarvoram meus cabelos

palavras de céu e ventania

soprando versos descaminhos

enquanto espero calmarias



Sonho com a caixa em que te guardo



Encanto



Revolto em pedraria

sábado, 12 de junho de 2010

Conforme a música

O verso calco à beleza



Te possuo enquanto a fascinação ascende ânimo

pelos cantos da tua boca





Artífice de linhas imaginárias

curvo-me

à vibração efêmera

de ser teu entretenimento



Volátil como o que provoca

o belo é reinvenção cotidiana

que deponho, a teu gosto,

abstração da minha inteireza.





Iriene Borges

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Pichação

O que entra pela janela torna o vidro palatável

e retratos vivificam paredes e monitores



Pra não me entregar isso não pode fazer sentido


Silêncio a tiquetaquear e nada dorme realmente

se me aprisiona o fascínio refreável pela certeza



Para não me estragar não poderia ter sentido



E já é tarde para amar segundas-feiras em cores

que apascentam o futuro  quando estou presente



Para não me extraviar só posso ir no teu sentido



escrevendo Saudade em lugar visível

sem que alguém perceba ou deduza o nome





Iriene Borges

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Beatriz

A paixão

Só é bela adormecida

em páginas encadernadas

na estante ou na expressão

pictórica do inferno

doravante (sim meu bem,

teu codinome é Beatriz).



E desinventa almas delicadas:

umedece em febre e muco

até despregar um trapo

desapegado

do “final feliz”.



Alma só tem serventia

até a transformação

do sapo, que depois

magia é esconjuro

entre coxas,  sacralizado

em meneio de quadris.



Mas que Poeta

em rasgos de paixão

não escreve a ficção do amor

em cada cicatriz?


Iriene Borges

domingo, 30 de maio de 2010

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Umbra

Não me ocupes

Vago em luminescências

e rotaciono aluada



Para manter a linha

da mediatriz até o complexo

da cerviz até o sexo

fui sitiada

pelo remorso de existir



No entanto, irrompes a rir

e eu singular e asceta

projeto uma sombra completa

que me intercepta o senso

bem aqui na minha rua

quando alcanço a calçada

sob o primeiro poste

à esquerda



A persigo, e não me desgoste,

não por isso, que ela é tudo

tem o talhe do teu desejo

Pisa o asfalto como meu hálito

roça teus lábios sem beijar

Tem um contorno movediço

que me traga no molejo

e danço

entre o pudor e o vestido

feito pipa no ar.



Nos amamos em teu nome

em cada canto da vila

e inventamos a saudade

de conluio com cada esquina

só assim ela me arrasta pra casa

em êxtase

e some no clarão da porta

que amanhã tem volta

e reprise.



Não me ocupes

para a distância do sorriso

se vago em luminescências

rotaciono aluada



e só me sei sitiada





Iriene Borges

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Eros e Tânatos



Náufrago em mim mesmo, a procuro
Entre suas pernas o afogamento
Esvazio aos arremessos
que a vida não se desprega num só rasgo,
não se desentranha na descarga
de um único orgasmo
Há sempre um último deleite a ser tragado


E ela sabe
Me recebe
Me insere na argúcia estrutural da prosa,
na poesia cadenciada dos encaixes
Adere dos ímpetos até os ossos,
seus feixes tecidos de névoa e mucosa
E eu apenas falo, falo e falo
até desaparecer


É quando ela se constringe
fecha ao meu redor e secreta
o silencio absoluto.
Mas finge
Sei de cor o repertório dos ardis
que enleia o embuste feminino
quando goza menos do que quis


Dissimulada desabrocha devagar, 
desarvora aflitivos perfumes,
entreabre o corolário dos possíveis
e impregnado dos ungüentos do ciúme
sou assaltado novamente
por tudo que ansiava abdicar
Resvalo para fora


Ela não chora
Ao afago oferta o calo, nunca o âmago
Cumpre ocultar o desamparo, me visto,
guardo o estilete no bolso
Retrátil acendo um cigarro, degusto,
e ainda tenho o pulso de ostentar a marra
de quem só tirou um sarro


Sem palavra avanço
ela é como as outras
quer tudo, e não me alcanço.




Iriene Borges

domingo, 18 de abril de 2010



Foto: Alfredo Goya

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Quanto os Fantasmas confabulam



A cama sussurra que o conforto destoa

Quanto os fantasmas confabulam em duas horas de repouso?

Ouso os ossos no tapete
nas arestas de um frio
que recrudesce o outro
-o de fora mais tinge e menos magoa

Grudo a orelha gótica no porcelanato
Modulo o silêncio
no sintético obtido em fogo alto
E sedimento adormeço escuro basalto

Acordar?

É uma arte obtusa....
tilintar de cílios pétreos
trucidar de vista
depreciar águas-marinhas
em veios ametista


Iriene Borges

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Vou embora agora
enquanto partir é opção
Quando pressinto o fim
já digo adeus a toda hora
e não suporto essa consumição.

Melhor o cessar repentino
como se eu não soubesse a que vim
nem me importasse meu destino.

Iriene Borges

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Vinicius de Moraes by Jairo Alt

domingo, 21 de março de 2010

Soulilóquio

há quem destrua o que  ama por não suportar perder-se, sem saber que na perdição cabe o encontro em se tratando de amor.

*

há quem pense que a selvageria é crueldade, e o selvagem é livre, quando a liberdade é uma crueldade para com a besta domesticada.

*

o (d)esperto não vê mais longe do que aquele que orbita a esfera dos sonhos


se não sabe ler a letra gorda que escorre dos olhos em linha clara, como poderia ler nas entrelinhas?!

*

a farpa finca-se mais fácil quanto mais fina e delicada
e a arrogância é mais mordaz em trajes de mendigo

*

o ápice é mais alto em negrumes versados e pulsões violetas do que em teus opiáceos

*

eu sou a água

*

tua existência materializa-se em estacas no meu coração desnecessário

*

desmaterializo em versos soltos os impropérios que devastaram meu domínio

*


separadas, minhas falas soam lâminas cegas
unidas,  soam chôro no gume da palavra

*

é metálico e reflexivo o olho que vigia a cova rasa da tua pretensa profundidade

*

ora cego-te no reflexo da lâmina cega
ora cevo-te no fio da lâmina afiada

*

a paixão é um doce amargo que afina minhas normas

serei sempre carne exposta e alma nua
a paixão é um doce amargo que desatina minhas formas

*

vi suas fotografias, suas caligrafias espalhadas no sorriso.
você é bonita demais.
a beleza em si é um sofrimento.
a beleza em si é um abandono.

*




no semblante uma máscara cuspida com desgosto
há visco de escarro no sorriso posto

*

não impõe inércia a mágoa vergastada
nem o término é prerrogativa de teus precipícios.
ademais o fim é revogável na ficção que me criei

*

recito com orgulho que não sou boa
e de quando fui boa me arrependo
o travoso Remorso de existir!

*

seiva adocicada
vertida em recortes aveludados e perfume
aconchego nas dobras do veludo escuro
meu ego obtuso 

*

a esperança que fere
me mantém acordada

*

a febre desmente a resignação

*


é meu bálsamo rasgar o verbo e larga-lo ao vento

*

ternas amarras nos gestos convulsos
vaga ameaça veda o revide
ainda me perco dentro do espelho
unho a superfície vítrea na agonia de arrancar
a expressão da minha face
caio nos sulcos semeados no meu rosto 
o vazio ocupa tanto espaço

*

e a minha íris de mar aberto
outrora engoliu tuas mentiras
a tristeza de agora é sedimento 
fundo irisado que mente preciosidade
e consente a limpidez da superfície

*

crueldade
já conheço seus meandros
ainda o espelho me estilhaça
a perplexidade lacera mais em lascas
álgidas ferroadas entretem a consciência 

*

cuidado

substância inflamavél inerte
até a próxima faísca
antes das tesouras
eu arremessava os fios soltos
e  tecias o encanto

*
a lágrima suspensa enforca o raciocínio

*

a janela fechada é um sorvedouro de sonhos
o fundo azul é  abatedouro de minhas revoadas 

*

a coreografia escarlate
esconde garras aparadas
sob esmalte
defaçatez

*

meus olhos espectadores camaleônicos
que não podem evitar cores diversas
transeuntes da urbe ensimesmada
andarilhos de orbes veladas
dejetos  deitados à sarjeta
passageiros de dragões articulados

*

eu coleciono palavras
não essas que dizes
a cuja ressonância
segue o zunido da lâmina
e o frio na espinha 

*

antes a marca cruzada dos dentes
e edemas que o tempo não absorvesse
*

abandono é uma palavra
às vezes adeus
às vezes entrega

*

inteira imperfeição

irrelevância que persevera
impertinência que reitera o erro

*
tem farpas de seda a mentira





Iriene Borges da Silva