quinta-feira, 10 de março de 2011

Marca e estilo

Pouco, rasgado na nuca. E pequena. Fácil e certo seccioná-la em pedaços. Bem miúdos. Estratégico reduzir a semelhança no desarranjo das partes. Começo entre as maçãs e as sombrancelhas, traço que nunca reparei mais incisivo.  Sempre me detiveram pálbebras encavadas numa profundidade insidiosa de onde salta a indiferença, brancura mortiça a acuar a íris.  Separo o nariz, esnobe no conjunto. "A desproporção transmutada em charme numa moldura chanel" penso ao medir o queixo, talho seguinte. E é nessa deixa que o cabelo sutura o gesto e propicia o lapso no qual ela escapa.  A muralha de MDF é intransponível quando a graça diminuta ruma à saída,  alheia ao meu olhar afiado. "Tem esse corte aquela que ocupa meu lugar" grito no oco que era antes meu interior. Cinco séculos caberão num segundo até que uma voz recolha meus cacos do balcão.


Iriene Borges

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Adiamento

Eu espero o amanhã.
Hoje não. Hoje há medo
espreitando-me a alma
Hoje o trivial, a rotina.
Amanhã o extraordinário,
a vida que vale a pena.

Hoje a carne flácida
caída no lençol sujo
não merece a glória
da experiência plena
desse amor ideal
ou desse poder criador
dando-me asas
para alcançar a essência
do que é matéria inerte
e forma aparente.

Hoje não. Hoje o choro
contido como um segredo.
Pois essa vida medíocre,
é simples e previsível
mas também mete medo,
que é o medo do nada
além de dia após dia
viver um dia após outro
esvaindo-me aos poucos
numa resignada agonia.

Amanhã, amanhã quem sabe
eu seja diferente.
Hoje eu sou a minúscula
e insignificante partícula
da grande massa
na qual posso sumir
sem precisar pensar.
Na qual posso me esgotar
até o esquecimento
da liberdade de sonhar,
da maldição de querer
o que não posso me dar.

Hoje é melhor morrer
sem precisar me matar.
Morrer assim, calada
sufocada no buraco
do meu próprio não-ser
ouvindo-me respirar.


Iriene Borges

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Instantâneo




Há quem diga cisne
há quem diga borboleta
e há ainda quem aponte
a exuberância
prestes à implosão
e ávida por existir- ainda-
que há quem diga cinza
e há quem diga alma

Talvez eu conte da metáfora
que veste bem, e fascine
a carapuça delicada
do sujeito à gente errada
se aferir  privilégio maior
do que o engano
e a metamorfose  

Talvez desponte o fio
do escuro que seda
e eu não corra
só me enrole e durma
significando despertar
sem corpo mole ...amanhã.

Inconsistente
o meu papel medíocre
pede grafite macio
e adia tudo

Já perdi a hora e o prumo
em mensagens cifradas
sem demandar resposta
a minha melhor proposta
veio da última visagem
“escrever para a posteridade”

Mas ainda estudo.


sábado, 12 de fevereiro de 2011

Miguel é uma mensagem



Será fim de trégua
maroto Querubim
aviltares outra vez
o teu Trono na poesia
suscetível ao incêndio
É implícita a cortesia
na aquiescência
às Dominações do silêncio

Uma mulher talvez despreze
talvez estraçalhe à unha
mas a minha alcunha
é uma Potência
que não se acomoda
em definições de Virtude
ou vício

Meu verso é um Principado
cuja soberania te concedo
Se não tens amor
deixa-o vago e branco
resguardado na saudade
que não se sabe

Aceita o arranjo que me cala
o que me custa
mas a vida não é justa
nem tem bula ou atenuante
Só poupa-me à ira
que macula este semblante
e apaga a lembrança
de ser teu Anjo

Iriene Borges

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Mantra

Não adianta chacoalhar pelo pescoço
Idéia, resiliência, urdidura

domingo, 26 de dezembro de 2010

A última gota

sumo de sonho precípite

transborda das corolas do dia



e sorvo



antes que desabrochem

chama e desamparo

em caules dolentes



Me espreitam corvo e morcego

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

À inconsistência dos atritos

Calo

e dói mais do que a carne viva




Iriene Borges

domingo, 25 de julho de 2010

Enquanto espero!

Um não sei que de procela

soprou-me na boca do nada

e despenquei até fincar raízes

numa nesga de madrugada



Viajo nos reflexos da sarjeta

Musgo e violeta no assento detrás

Um bilhete e Silêncio no alforje

Trinam apenas estampas florais





Hortência no guichê número dois

sacou meu destino da impressora

Paredes e divisórias acinzentam

o viés lilás eleito para a aurora







Desarvoram meus cabelos

palavras de céu e ventania

soprando versos descaminhos

enquanto espero calmarias



Sonho com a caixa em que te guardo



Encanto



Revolto em pedraria

sábado, 12 de junho de 2010

Conforme a música

O verso calco à beleza



Te possuo enquanto a fascinação ascende ânimo

pelos cantos da tua boca





Artífice de linhas imaginárias

curvo-me

à vibração efêmera

de ser teu entretenimento



Volátil como o que provoca

o belo é reinvenção cotidiana

que deponho, a teu gosto,

abstração da minha inteireza.





Iriene Borges

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Pichação

O que entra pela janela torna o vidro palatável

e retratos vivificam paredes e monitores



Pra não me entregar isso não pode fazer sentido


Silêncio a tiquetaquear e nada dorme realmente

se me aprisiona o fascínio refreável pela certeza



Para não me estragar não poderia ter sentido



E já é tarde para amar segundas-feiras em cores

que apascentam o futuro  quando estou presente



Para não me extraviar só posso ir no teu sentido



escrevendo Saudade em lugar visível

sem que alguém perceba ou deduza o nome





Iriene Borges

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Beatriz

A paixão

Só é bela adormecida

em páginas encadernadas

na estante ou na expressão

pictórica do inferno

doravante (sim meu bem,

teu codinome é Beatriz).



E desinventa almas delicadas:

umedece em febre e muco

até despregar um trapo

desapegado

do “final feliz”.



Alma só tem serventia

até a transformação

do sapo, que depois

magia é esconjuro

entre coxas,  sacralizado

em meneio de quadris.



Mas que Poeta

em rasgos de paixão

não escreve a ficção do amor

em cada cicatriz?


Iriene Borges

domingo, 30 de maio de 2010

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Umbra

Não me ocupes

Vago em luminescências

e rotaciono aluada



Para manter a linha

da mediatriz até o complexo

da cerviz até o sexo

fui sitiada

pelo remorso de existir



No entanto, irrompes a rir

e eu singular e asceta

projeto uma sombra completa

que me intercepta o senso

bem aqui na minha rua

quando alcanço a calçada

sob o primeiro poste

à esquerda



A persigo, e não me desgoste,

não por isso, que ela é tudo

tem o talhe do teu desejo

Pisa o asfalto como meu hálito

roça teus lábios sem beijar

Tem um contorno movediço

que me traga no molejo

e danço

entre o pudor e o vestido

feito pipa no ar.



Nos amamos em teu nome

em cada canto da vila

e inventamos a saudade

de conluio com cada esquina

só assim ela me arrasta pra casa

em êxtase

e some no clarão da porta

que amanhã tem volta

e reprise.



Não me ocupes

para a distância do sorriso

se vago em luminescências

rotaciono aluada



e só me sei sitiada





Iriene Borges

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Eros e Tânatos



Náufrago em mim mesmo, a procuro
Entre suas pernas o afogamento
Esvazio aos arremessos
que a vida não se desprega num só rasgo,
não se desentranha na descarga
de um único orgasmo
Há sempre um último deleite a ser tragado


E ela sabe
Me recebe
Me insere na argúcia estrutural da prosa,
na poesia cadenciada dos encaixes
Adere dos ímpetos até os ossos,
seus feixes tecidos de névoa e mucosa
E eu apenas falo, falo e falo
até desaparecer


É quando ela se constringe
fecha ao meu redor e secreta
o silencio absoluto.
Mas finge
Sei de cor o repertório dos ardis
que enleia o embuste feminino
quando goza menos do que quis


Dissimulada desabrocha devagar, 
desarvora aflitivos perfumes,
entreabre o corolário dos possíveis
e impregnado dos ungüentos do ciúme
sou assaltado novamente
por tudo que ansiava abdicar
Resvalo para fora


Ela não chora
Ao afago oferta o calo, nunca o âmago
Cumpre ocultar o desamparo, me visto,
guardo o estilete no bolso
Retrátil acendo um cigarro, degusto,
e ainda tenho o pulso de ostentar a marra
de quem só tirou um sarro


Sem palavra avanço
ela é como as outras
quer tudo, e não me alcanço.




Iriene Borges

domingo, 18 de abril de 2010



Foto: Alfredo Goya

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Quanto os Fantasmas confabulam



A cama sussurra que o conforto destoa

Quanto os fantasmas confabulam em duas horas de repouso?

Ouso os ossos no tapete
nas arestas de um frio
que recrudesce o outro
-o de fora mais tinge e menos magoa

Grudo a orelha gótica no porcelanato
Modulo o silêncio
no sintético obtido em fogo alto
E sedimento adormeço escuro basalto

Acordar?

É uma arte obtusa....
tilintar de cílios pétreos
trucidar de vista
depreciar águas-marinhas
em veios ametista


Iriene Borges

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Vou embora agora
enquanto partir é opção
Quando pressinto o fim
já digo adeus a toda hora
e não suporto essa consumição.

Melhor o cessar repentino
como se eu não soubesse a que vim
nem me importasse meu destino.

Iriene Borges