terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O baile

Se você não responde às linguas que falo
calo a saudade
Não saiba na voz doce o desencanto decantado
Não saiba a fantasia de princesa
No seu baile malogrado

Calo em mim o rumor de flores eclodindo
e deito a pétala mal- me- quer
no vestido amarrotado
já embolado nas gavetas da memória
aos panos rotos de outros bailes
em que os buquês murcharam no meu seio
e mãos pendidas ao longo do desencontro
não me enlaçaram

Esse sorriso branco bem bordado
é trama nos tecidos tenros da menina
que ficou às margens do salão
com música alucinando sob o decoro
os acordes esgarçando as rendas do regaço
e pés febris tesos num sapato nunca usado
e a quem coube ir embora
ao primeiro tom da aurora
sem ter dançado

Iriene Borges
Morning Sun
Edward Hopper

domingo, 28 de dezembro de 2008

O estalo

Açoites
e os manejas com a língua afoita
para sorver o gosto da vida que vaza
Mas não sangra a asa imaginária
Escalavra em seu ruflar a aurora das palavras
no breu que insistes erigir por minha casa

Iriene Borges

Julian schnabel

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Descolor(ações)

Verso pouco as cores do arco-iris
Parei logo nos sorrisos amarelos
Não saberia ser menina cor de rosa
Naturais me eram versos brancos
brancas ardências dardejadas
em centelhas luminosas

Mas súbito meu âmago adormecido
explodiu em tons de lava e cinza

E eu versejo
porque o que já não viceja em mim
germina de novo no bojo da palavra

O véu brumoso de fuligem que enegrece
meu discernimento vítreo espelhado
é só a junção de todas as cores da paleta

Na tinta suja dos negrumes versados
subsistem minhas cores puras
em nuances desveladas à boa luz

Iriene Borges
Naked portrait with reflexion
Lucian Freud

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Beijos de pedra e nicotina

eu amo muito mais o amor,
portanto já traí minha promessa
não tenha pressa de saber

eu amo muito mais o amor
e outro olhar há de vestir
de mistério a nudez violada
por teu falo e tua fala

outra boca há de neutralizar
o verso ácido em minha saliva,
e espanar as cinzas dos teus beijos
de pedra e nicotina

Iriene Borges

Lucian Freud

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Pesadelo

É o medo falando!
Há sombra e caos
O ritmo é taquicardia
Há também, e acima disso
uma dor calada
encalacrada feito o mal
dissimulado na inevitável
desfaçatez humana

É o medo. E ele diz
que não há tempo,
embora o tempo me devore
E também diz que o desejo
é uma chama que se apaga
enquanto tomo fôlego
É só o medo. Só uma âncora
a sussurrar que sou apenas
um barquinho ordinário

Mas eu sonho que sou a água

Iriene Borges

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008


Desenho
Iriene Borges

Sugestões

Eu estou tremendo
Um pouco de ira
Um pouco de medo
E muito de frio

Esse ódio ardendo
A náusea que revira
E em cada dedo
Uma garra que afio

Estou antevendo
A crepitar esta pira
Não mais em segredo
Não mais no bafio

E quando eu acabar
De parir esta dor
Hei de enforcá-la
No próprio cordão

E hei de despejar,
Sem qualquer pudor
Numa rasa vala
De qualquer chão

Não me surpreendo
Se geme e respira
Do fundo do poço
Um sonho vazio

Conquanto morrendo
Num fogo que inspira
Pergunto:
Quem foi a besta
Que acendeu o pavio?

Iriene Borges

domingo, 7 de dezembro de 2008

Desenho
Grafite
Iriene Borges

sábado, 6 de dezembro de 2008

Versos Desfiados

Perdoe-me se te desfaço
como quem puxa o fio
de tecido delicado.

Quando teci tua imagem
com a fibra do meu sonho
pensei tê-la eternizado.

Mas esse véu de insensatez
a encobrir meu discernimento
precisa ser desmanchado.

No esforço vão de sobreviver,
pesarosa, destruo a fina arte
do meu olhar apaixonado.

Iriene Borges