domingo, 26 de dezembro de 2010

A última gota

sumo de sonho precípite

transborda das corolas do dia



e sorvo



antes que desabrochem

chama e desamparo

em caules dolentes



Me espreitam corvo e morcego

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

À inconsistência dos atritos

Calo

e dói mais do que a carne viva




Iriene Borges

domingo, 25 de julho de 2010

Enquanto espero!

Um não sei que de procela

soprou-me na boca do nada

e despenquei até fincar raízes

numa nesga de madrugada



Viajo nos reflexos da sarjeta

Musgo e violeta no assento detrás

Um bilhete e Silêncio no alforje

Trinam apenas estampas florais





Hortência no guichê número dois

sacou meu destino da impressora

Paredes e divisórias acinzentam

o viés lilás eleito para a aurora







Desarvoram meus cabelos

palavras de céu e ventania

soprando versos descaminhos

enquanto espero calmarias



Sonho com a caixa em que te guardo



Encanto



Revolto em pedraria

sábado, 12 de junho de 2010

Conforme a música

O verso calco à beleza



Te possuo enquanto a fascinação ascende ânimo

pelos cantos da tua boca





Artífice de linhas imaginárias

curvo-me

à vibração efêmera

de ser teu entretenimento



Volátil como o que provoca

o belo é reinvenção cotidiana

que deponho, a teu gosto,

abstração da minha inteireza.





Iriene Borges

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Pichação

O que entra pela janela torna o vidro palatável

e retratos vivificam paredes e monitores



Pra não me entregar isso não pode fazer sentido


Silêncio a tiquetaquear e nada dorme realmente

se me aprisiona o fascínio refreável pela certeza



Para não me estragar não poderia ter sentido



E já é tarde para amar segundas-feiras em cores

que apascentam o futuro  quando estou presente



Para não me extraviar só posso ir no teu sentido



escrevendo Saudade em lugar visível

sem que alguém perceba ou deduza o nome





Iriene Borges

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Beatriz

A paixão

Só é bela adormecida

em páginas encadernadas

na estante ou na expressão

pictórica do inferno

doravante (sim meu bem,

teu codinome é Beatriz).



E desinventa almas delicadas:

umedece em febre e muco

até despregar um trapo

desapegado

do “final feliz”.



Alma só tem serventia

até a transformação

do sapo, que depois

magia é esconjuro

entre coxas,  sacralizado

em meneio de quadris.



Mas que Poeta

em rasgos de paixão

não escreve a ficção do amor

em cada cicatriz?


Iriene Borges

domingo, 30 de maio de 2010

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Umbra

Não me ocupes

Vago em luminescências

e rotaciono aluada



Para manter a linha

da mediatriz até o complexo

da cerviz até o sexo

fui sitiada

pelo remorso de existir



No entanto, irrompes a rir

e eu singular e asceta

projeto uma sombra completa

que me intercepta o senso

bem aqui na minha rua

quando alcanço a calçada

sob o primeiro poste

à esquerda



A persigo, e não me desgoste,

não por isso, que ela é tudo

tem o talhe do teu desejo

Pisa o asfalto como meu hálito

roça teus lábios sem beijar

Tem um contorno movediço

que me traga no molejo

e danço

entre o pudor e o vestido

feito pipa no ar.



Nos amamos em teu nome

em cada canto da vila

e inventamos a saudade

de conluio com cada esquina

só assim ela me arrasta pra casa

em êxtase

e some no clarão da porta

que amanhã tem volta

e reprise.



Não me ocupes

para a distância do sorriso

se vago em luminescências

rotaciono aluada



e só me sei sitiada





Iriene Borges

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Eros e Tânatos



Náufrago em mim mesmo, a procuro
Entre suas pernas o afogamento
Esvazio aos arremessos
que a vida não se desprega num só rasgo,
não se desentranha na descarga
de um único orgasmo
Há sempre um último deleite a ser tragado


E ela sabe
Me recebe
Me insere na argúcia estrutural da prosa,
na poesia cadenciada dos encaixes
Adere dos ímpetos até os ossos,
seus feixes tecidos de névoa e mucosa
E eu apenas falo, falo e falo
até desaparecer


É quando ela se constringe
fecha ao meu redor e secreta
o silencio absoluto.
Mas finge
Sei de cor o repertório dos ardis
que enleia o embuste feminino
quando goza menos do que quis


Dissimulada desabrocha devagar, 
desarvora aflitivos perfumes,
entreabre o corolário dos possíveis
e impregnado dos ungüentos do ciúme
sou assaltado novamente
por tudo que ansiava abdicar
Resvalo para fora


Ela não chora
Ao afago oferta o calo, nunca o âmago
Cumpre ocultar o desamparo, me visto,
guardo o estilete no bolso
Retrátil acendo um cigarro, degusto,
e ainda tenho o pulso de ostentar a marra
de quem só tirou um sarro


Sem palavra avanço
ela é como as outras
quer tudo, e não me alcanço.




Iriene Borges

domingo, 18 de abril de 2010



Foto: Alfredo Goya

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Quanto os Fantasmas confabulam



A cama sussurra que o conforto destoa

Quanto os fantasmas confabulam em duas horas de repouso?

Ouso os ossos no tapete
nas arestas de um frio
que recrudesce o outro
-o de fora mais tinge e menos magoa

Grudo a orelha gótica no porcelanato
Modulo o silêncio
no sintético obtido em fogo alto
E sedimento adormeço escuro basalto

Acordar?

É uma arte obtusa....
tilintar de cílios pétreos
trucidar de vista
depreciar águas-marinhas
em veios ametista


Iriene Borges

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Vou embora agora
enquanto partir é opção
Quando pressinto o fim
já digo adeus a toda hora
e não suporto essa consumição.

Melhor o cessar repentino
como se eu não soubesse a que vim
nem me importasse meu destino.

Iriene Borges

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Vinicius de Moraes by Jairo Alt

domingo, 21 de março de 2010

Soulilóquio

há quem destrua o que  ama por não suportar perder-se, sem saber que na perdição cabe o encontro em se tratando de amor.

*

há quem pense que a selvageria é crueldade, e o selvagem é livre, quando a liberdade é uma crueldade para com a besta domesticada.

*

o (d)esperto não vê mais longe do que aquele que orbita a esfera dos sonhos


se não sabe ler a letra gorda que escorre dos olhos em linha clara, como poderia ler nas entrelinhas?!

*

a farpa finca-se mais fácil quanto mais fina e delicada
e a arrogância é mais mordaz em trajes de mendigo

*

o ápice é mais alto em negrumes versados e pulsões violetas do que em teus opiáceos

*

eu sou a água

*

tua existência materializa-se em estacas no meu coração desnecessário

*

desmaterializo em versos soltos os impropérios que devastaram meu domínio

*


separadas, minhas falas soam lâminas cegas
unidas,  soam chôro no gume da palavra

*

é metálico e reflexivo o olho que vigia a cova rasa da tua pretensa profundidade

*

ora cego-te no reflexo da lâmina cega
ora cevo-te no fio da lâmina afiada

*

a paixão é um doce amargo que afina minhas normas

serei sempre carne exposta e alma nua
a paixão é um doce amargo que desatina minhas formas

*

vi suas fotografias, suas caligrafias espalhadas no sorriso.
você é bonita demais.
a beleza em si é um sofrimento.
a beleza em si é um abandono.

*




no semblante uma máscara cuspida com desgosto
há visco de escarro no sorriso posto

*

não impõe inércia a mágoa vergastada
nem o término é prerrogativa de teus precipícios.
ademais o fim é revogável na ficção que me criei

*

recito com orgulho que não sou boa
e de quando fui boa me arrependo
o travoso Remorso de existir!

*

seiva adocicada
vertida em recortes aveludados e perfume
aconchego nas dobras do veludo escuro
meu ego obtuso 

*

a esperança que fere
me mantém acordada

*

a febre desmente a resignação

*


é meu bálsamo rasgar o verbo e larga-lo ao vento

*

ternas amarras nos gestos convulsos
vaga ameaça veda o revide
ainda me perco dentro do espelho
unho a superfície vítrea na agonia de arrancar
a expressão da minha face
caio nos sulcos semeados no meu rosto 
o vazio ocupa tanto espaço

*

e a minha íris de mar aberto
outrora engoliu tuas mentiras
a tristeza de agora é sedimento 
fundo irisado que mente preciosidade
e consente a limpidez da superfície

*

crueldade
já conheço seus meandros
ainda o espelho me estilhaça
a perplexidade lacera mais em lascas
álgidas ferroadas entretem a consciência 

*

cuidado

substância inflamavél inerte
até a próxima faísca
antes das tesouras
eu arremessava os fios soltos
e  tecias o encanto

*
a lágrima suspensa enforca o raciocínio

*

a janela fechada é um sorvedouro de sonhos
o fundo azul é  abatedouro de minhas revoadas 

*

a coreografia escarlate
esconde garras aparadas
sob esmalte
defaçatez

*

meus olhos espectadores camaleônicos
que não podem evitar cores diversas
transeuntes da urbe ensimesmada
andarilhos de orbes veladas
dejetos  deitados à sarjeta
passageiros de dragões articulados

*

eu coleciono palavras
não essas que dizes
a cuja ressonância
segue o zunido da lâmina
e o frio na espinha 

*

antes a marca cruzada dos dentes
e edemas que o tempo não absorvesse
*

abandono é uma palavra
às vezes adeus
às vezes entrega

*

inteira imperfeição

irrelevância que persevera
impertinência que reitera o erro

*
tem farpas de seda a mentira





Iriene Borges da Silva

sexta-feira, 19 de março de 2010

ex curo
escuro
noite
note

no te
te amo
te amo noite adentro
chuva que cai
te amo que cai
chuva noite adentro

ardente
arde
dente

dente
doente
do ente

que ente?

entre?
saia
calça
bota

botar aonde?

onde eu curo
escuro
ex curo
curto


Liliane Jochelavicius

sexta-feira, 12 de março de 2010


Desenho vetorizado by Jairo Alt

des fere

Arco entesado
desfiro a seta
e esbato frouxo
entre o gesto
e a meta

Entre a mosca
e o baque
tombo presa
na agonia
do achaque

gume preciso
risca o espaço
no viés da pena

Ah, seja pássaro
e do traço
rufle o poema

Iriene Borges da Silva

quinta-feira, 4 de março de 2010

Musas, medéias, medusas

Sacerdotiza do estranhamento,
a admiração suscita o zelo de procurar
a sombra do teu titereteiro
embora àspera a urdidura dos indícios
e fios soltos desvelem tua vileza

Cavalgadura da vilania,
dor é louro com que a musa me coroa,
mordaças reabastecem meu tinteiro
e dos ardis em que me enleias
teço a estopa que mantém a idéia acesa

Anjo obtuso do aniquilamento,
a perspicácia é o avesso da tua malícia.
Ainda é dádiva do artista a visão perspícua
e saber tanto abençoa quanto perturba

Mensageira da minha alforria
provar da tua sordícia é ordem da musa
para que nada escape à pena oblíqua
e seu legado grafe-se em tinta rubra

Iriene Borges da Silva

segunda-feira, 1 de março de 2010

Tormenta

À janela aparo a goteira

*

Há um encanto pureril em reverenciar os pingos

como em observar o andamento das nuvens

decifrar as nuances do crepúsculo

ou o escape do gato para o terreno baldio

perto da infância

*

Conforta dor

que tempestades de verão eternizem a criança

num organismo que se deteriora

*

A água que se esbate e a água que escorre

formam os acordes de uma poesia

que se esboroa no silêncio.

*

Eu aquieço

*

E o arvoredo se desfibra em coreografia espectral

verdes limpos

vivificados pelo magenta da enxurrada

Enquanto a escrita se desintegra

*

em mancha.

*

Iriene Borges da Silva

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Veredicto



Tua presença não porporciona inspiração
Apenas doce agonia e noites de insônia
estupor de dúvida e certeza errônea
medo expansivo e alma febril em retração

Sequer despertas a verdadeira paixão
Só incitas a voracidade dos sentidos
suscitas desejos antes não consentidos
inventa uns impulsos que calco ao não

Nenhuma instância do meu conhecimento
te acompanha, te elege ou te reverencia
És hausto de desejo que ao passar inebria

E tua constância nas abas do pensamento
não configura oferenda ou alusão à poesia

És comburente nas labaredas da fantasia

Iriene Borgesda Silva

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Eviscerados atos

ecos do costume

sustêm-me na voragem



Iriene Borges da Silva

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Tantativa n° 11

Viceja a dor que não rasga o silêncio

Da linha puida do destino teço flores
e tranço cordas para enforcamentos postergados

Espero. O crepúsculo
tem sempre uma cor nova e inclassificável
em qualquer cartela - ontem um veludo azul escuro
velava o poente e a lua. Bom augúrio
para os amantes encontrados
e para as meninas que esperam-
a liberdade é mesmo azul e infinita
embora os limites de azulejo.

Para cada cristal de sal na face escondo uma pérola
no pote de açúcar ao fim do arco-íris

Iriene Borges da Silva

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

tentativa n° 9

Versifico

para ver

se fico




Iriene Borges da Silva
Foto: Iriene Borges da Silva

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Luz vulnerável


Eu procuro palavras cheias de esplendor.
Que pareçam simples, mas grandiosas
e retratem com medidas cuidadosas
minha ambição e a miséria interior.

E que transmitam meu amor imperfeito
à arte e à beleza inesgotável da vida.
Através delas minha sensibilidade vertida
em cada coração como se no meu peito.

E digam que vejo tão longe e profundo.
E sinto tanto e tudo tão perto, e voraz,
desejo tudo que vejo e tudo temo demais.
No intento de acertar eu me confundo.

Assim, ouso tentar adestrar o intelecto
para esculpir uma imagem trinunfante
sobre esta alma ingênua e petulante
Encobrindo a fragilidade que detecto

Enquanto insuflo verbos de energia
aturde-me o gosto dúbio da verdade
e dilui-se tênue visão da liberdade
em minha própria alma escorregadia

Iriene Borges

Foto: Iriene Borges